Quem lê: o olho ou o cérebro?

Quem lê: o olho ou o cérebro?

Podemos fazer a mesma pergunta para o leitor de braile.  Quem lê: as mãos ou o cérebro?

 

Quem compreende é o cérebro. Os órgãos do sentido (visão ou tato) enviam informação para o cérebro e o cérebro processa a leitura.

O uso do órgão do sentido para a leitura, seja o olho ou a mão, dependerá de construção e perícia do movimento específico necessário para enviar as informações ao cérebro.

O olho lê por sacadas ou por segmento.

Um leitor fluente é capaz de ler sem problemas o texto abaixo:

Não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttoal bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.

Como é possível?

O olho fixa o início e o final da palavra, e o cérebro “preenche” os fonemas entre o primeiro e o último fonema.

Como que o olho se desloca?

Não IpomtrA em QauL OdreM as LrteaS de uma PlravaA EtãsO

O cérebro “preenche” o que está no meio, porém não de maneira aleatória.

A pessoa que tem em sua memória o padrão das sílabas em português consegue reorganizar muito rapidamente o valor posicional das letras na sílaba e das sílabas na palavra.

Em IpomtrA, por exemplo, há 2 tipos de organização:

1. De letras para formar a sílaba.

São 3 sílabas a serem formadas:

Im        tA        por

2. De sílabas para formar a palavra

IM       POR    TA

Esse é um processo que acontece em frações de milésimos de segundo.

Ao ler a primeira linha, provavelmente, o tempo será um pouco maior: há uma adaptação do cérebro ao padrão apresentado. À medida que a leitura prossegue, ela se tornará mais rápida uma vez que mobilizou a memória para esta “nova” forma de organização simbólica e o novo padrão se estabiliza.

Vejamos agora a seguinte situação apresentada por um texto que circula na Internet.

3M UM D14 D3 V3R40, 3574V4 N4 9R414, 0853RV4ND0 DU45 CR14NC45 8R1NC4ND0 N4 4R314, 3L45 7R484LH4V4M MU170 CON57RU1NDO UM C4573L0 D3 4R314, C0M 70RR35, 94554R3L45 3 9455463NS 1N73RN45. QU4ND0 3574V4M QU453 4C484NDO, V310 UM4 0ND4 3 D357RU1U 7UD0, R3DU21ND0 0 C4573L0 4 UM M0N73 D3 4R314 3 359UM4. 4CH31 QU3, D3P015 D3 74N70 35F0RÇ0 3 CU1D4D0, 45 CR14NÇ45 C41R14M N0 CH0R0, C0RR3R4M 93L4, FUG1ND0 D4 4GU4, R1ND0 D3 M405 D4D45 3 C0M3Ç4R4M 4 C0N57RU1R 0U7R0 C4573L0, C0M9R33ND1 QU3 H4V14 49R3ND1D0 UM4 GR4ND3 L1Ç40; G4574M05 MU170 73M90 D4 N0554 V1D4 C0N57RU1ND0 4LGUM4 C0154 3 M415 C3D0 0U M415 74RD3, UM4 0ND4 P0D3R4 V1R 3 D357RU1R 7UD0 0 QU3 L3V4M05 74N70 73M90 P4R4 C0N57RU1R. M45 QU4ND0 1550 4C0N73C3R 50M3N73 4QU3L3 QU3 73M 45 M405 D3 4LGU3M 94R4 53GUR4R, 53R4 C4942 D3 50RR1R!! S0 0 QU3 93RM4N3C3 3 4 4M124D3, 0 4M0R 3 C4R1NH0, 0 R3570 3 F3170 4R314.

Como é que se lê este “texto”?

Pelos padrões solidamente estabelecidos na memória a partir da prática de ser leitor.

É um excelente exemplo para se constatar que a leitura se faz, sim, a partir de padrões que permitem abordar semanticamente um texto desta natureza, em que números substituem letras. A abordagem aqui é fonológica para se construir o novo padrão silábico.

As vogais são imagens próximas aos números que as apresentam:

4 para A

3 para E

1 para I

0 para O

4, 1 e 0 são imagens muito próximas a A, I e O.

O 3 para o E envolve um movimento de rotação. Fazendo a rotação, as imagens se aproximam.

As pistas são “decifradas” pelo cérebro, com base o acervo de memória de imagens de letras e números. A partir daí a pessoa constitui um recurso para formar as sílabas como as consoantes reais e as “simbolizadas” pelo mesmo processo feito com as vogais.

Basta entender que 5 representa a letra S, 7 a letra T, 9 a letra P.

Este “texto” revela como se articulam internamente a função simbólica, a memória e os centros de linguagem o cérebro. Revela, igualmente, que as dimensões da escrita precisam estar gravadas na memória como padrões para que a pessoa possa ler.